Revista de 1950 mostrava que já naquela época a política e políticos não eram ‘flor que se cheirassem”

“Para serem eleitos nos prometem salvação. Conseguidos seus intentos, vemos que tudo é ilusão“.

 

” (…) a, quem cabe a culpa da degradação moral, política e social em que nos afundámos?  Por certo que aos governos desonestos e impatrióticos que há tão numerosos anos, têm reduzido o país a esse estado de degradação moral em que nos encontramos. O povo foi tantas vezes embaído em sua boa fé, em sua confiança e em seu patriotismo, que acabou cansado, desiludido, indiferente a tudo. ‘Eu quero que o Brasil se fomente’. Como essa frase suja, ignóbil, torva, saída da bôca de um adolescente, sintetisa e exprime e a irremediável indiferença da massa pela sorte do país“.

Os textos acima (respeitando-se a grafia original) parecem retratar situações atuais. Porém, foram escritos há mais de meio século. Para ser exato, há 67 anos. Foram extraídos da edição da revista Careta, edição de novembro de 1950, número 2.210 (ano XLIII), vendida nas bancas à época a ”um cruzeiro em todo o Brasil”.

Entre os anúncios do “Creme de Barbear Colgate – Simples ou Mentolado”, ou do ”Sabonete Eucalol – A Escolha da comparação” com a atriz Tônia Carrero de garota-propaganda ou do” Relógio Omega Automatic – O relógio que você pode esquecer o pulso!” a revista desfilav em suas páginas acontecimentos semelhantes ao que estamos vivendo neste 2024.

Na política, em 1950 foi a segunda eleição do chamado Estado tendo na disputa Getúlio Vargas, Cristiano Machado e o brigadeiro Eduardo Gomes, representando os três maiores partidos, respectivamente PTB, PSD e UDN, além de João Mangabeira, do PSB.

A chamada ”sopinha de letras” de partidos já existia há 67 anos. UDN, PRP, PDC, PL, PSB,PR, POT, PST, PTB, PTN.

A situação não diferente desse 2024,-, com uma profusão de legendas partidárias quem somam 29.

Descontentamento

Assim como agora, havia descontentamento com a classe política em 1950.

Leia o que escreveu (texto original) o articulista Hugo Saraiva, na revista:

“A Câmara dos Deputados, com cêrca de 300 membros remunerados à razão de 24 mil cruzeiros mensais para defender os interesses públicos, tem votado certas liberalidades ( para não dizer pior…) de custo vultoso, salientando-se, dentre elas, um crédito de mais de 300 milhões de cruzeiros para pagamento de uma indenização ao espólio industrial Lage, que é considerado um régio presente do erário aos seus opulentos herdeiros. Distraem, dessa forma, os ”pais da pátria”, avultados recursos do erário que poderiam contribuir decisivamente para atenuar terríveis malefícios sociais. O crédito já aprovado pela Câmara, a pedido do presidente  de ”todo os brasileiros”, aplicado a 10% ao ano, renderia, anualmente, cêrca de 30 milhões de cruzeiros; mensalmente, dois e meio milhões de cruzeiros; diariamente, cêrca de oitenta mil cruzeiros; por hora, três mil e trezentos cruzeiros ou 55 cruzeiros por minuto!… Essa enorme renda seria suficiente para socorrer e salvar as três crianças que morrem a cada cinco minutos no Brasil; amparar uma parte dos menores abandonados e educar parte das crianças que não têm escola, além de minorar os sofrimentos de muitos daqueles tuberculosos, prestes a deixar êste “vale de lágrimas”.

Nos dias atuais, os cidadãos são os articulistas nas mídias sociais onde, em muitos casos,  não poupam os políticos e os poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário, principalmente – das críticas.

Fazia sucesso, também, os jingles dos candidatos como o de Jango, uma marchinha cujo título era Retrato do Velho: “Bota o retrato do velho outra vez Bota no mesmo lugar Bota o retrato do velho outra vez Bota no mesmo lugar O retrato do velhinho faz a gente trabalhar o retrato do velhinho faz a gente trabalhar Eu já botei o meu E tu não vais botar Eu já enfeitei o meu E tu não vais enfeitar O retrato do velhinho faz a gente trabalhar“.

No cinema, Cyrano de Bergerac era o filme que despertava as atenções e comoções (baseado na obra do escritor francês Edmond Rostand). Antes da exibição, propaganda do candidato Jango Goulart era apresentada. Ele percebeu a importância de se utilizar meios de comunicação para divulgar seu programa de Governo.

Hoje, os jingles fazem parte da campanha de todo candidato nas emissoras de rádio e, ao em vez do cinema, os vídeos da propaganda eleitoral são divulgados durante o chamado horário gratuito de rádio e TV.

Na maioria, apenas promessas que raramente são cumpridas.

As coincidências em atitudes de alguns homens públicos continuam. Eis a carta enviada por um eleitor, um cidadão que se dizia ”doente do Sanatório Boa Vista”, à revista Careta, há 74 anos: “Os homens deste Brasil não têm a mínima noção do ridículo. Nós, os internados do velho sanatório Bela Vista, o mais antigo e tradicional de Correias, ficamos estarrecidos com a fraqueza do Presidente do Ipase, dando o seu próprio nome a este hospital de tuberculosos. E para cohonestar este gesto tão rídiculo de vaidade pessoal, os puxa-sacos do Ipase declararam que fomos nós, os doentes do Sanatório, que o pedimos. Ora, Senhor Redator, nós só pedimos uma coisa: que nos deixem sossegados no nosso canto, com a nossa doença e a nossa tristeza. Se o dr. (nome suprimido eplo zerouminforma) que é um bom moço, camarada e bôa vida, queria botar seu nome no Sanatório Bela Vista, que botasse. Mas que não atribuisse iniciativa tão infeliz e ridícula aos inernados do Ipase. Isso levou os drs. Duat e Benedetti a ficarem como tontos numa correria doida,a arranjar assinaturas para um memorial escrito por eles próprios, para justificar a medida que já tinha sido tomada em nosso nome, mas à nossa revelia. Como esses políticos são desonestos e desprezíveis. Para nós, porém, Sr. redator, o Sanatório continuará a ser ‘Bela Vista’ como sempre foi, e o novo presidente do Ipase, se Deus quiser, ha e saber restabelecer a bôa tradição da casa de Correias, que o dr. Azambuja fundou, sem que seu nome se veja hoje em nenhuma de suas paredes. Homens ingratos e desmemoriados!“.

Veja o diálogo da charge na capa da Revista Careta:

                                                                   

 

Precaução necessaria

– Para alistar-me no partido, preciso submeter-me ao Raio X?

–  Está claro! Você se diz nosso correligionário, por fóra; vamos ver se também o é por dentro!…

Ano de 1950. Ano de 2024. Qualquer semelhança, portanto, não é mera coincidência.